Arquivo do blog

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Matei meu Pai no Inconsciente

Há dez dias atras meu pai faleceu.
Eu esbocei um sentimento de tristeza um dia antes, pois vi seu corpo já frágil apos 3 anos de tratamento contra o câncer (o qual foi descoberto em estado de metástase atingindo figado e intestino). Em seu penúltimo dia, o levamos para a emergência, e horas depois o medico havia liberado ele de volta pra casa, eu indaguei: por que ? existe um estado pior q esse ?, meu pai já se encontrava inconsciente, e parecia sentir muitas dores embora já não falasse mais.

Em seu ultimo dia de volta ao hospital, vi seu corpo se debatendo muitas vezes contra a cama, arrebentou varias vezes o acesso à veia, a enfermeira já não conseguia mais puxar sangue, pois parecia não ter.. Meu pai já estava ha cerca de 24h sem urinar, o que eu já encarava como um presságio de sua morte.

Naquele dia eu chorei e muito, não por ele ser meu pai, mas pelo simples fato de que por mais coisas ruins que ele tenha feito ou falado ao longo de sua vida para comigo e minha mãe, eu ainda assim não desejava mal pra ele, e ver ele passando por esse tipo de situação, foi um tanto quanto triste ver o corpo dele se autodestruir dessa maneira tao cruel.
Em seus últimos momentos eu rezava e repetia mantras, pedindo para que ele se libertasse da carne.

No dia seguinte cheguei ao hospital, e ele havia acabado de desencarnar.
Eu e minha mãe somos espiritas kardecistas, pra nós, acredito que é mais reconfortante em saber que a vida continua do outro lado desta vida.
Bem, eu não chorei desde que ele se foi.
Ao longo dos anos como já não havia mais comunicação alguma entre nós, mesmo quando ele ficava aqui em casa no Rio quando vinha fazer tratamento do câncer, mal nos comunicávamos, ele não parecia se esforçar muito também para que algo melhorasse entre nós.
Eu comecei a perceber o quanto mais eu me afastava dele, psicologicamente e profissionalmente eu melhorava e evoluía. A energia dele me fazia andar para trás, as palavras que eu ouvi boa parte da infância, como "Você é burra, incompetente" e dentre outras aleatórias que ouvi em diversas ocasiões, eu percebi o quanto era saudável eu me afastar de uma pessoa que me fazia realmente mal.
Fiquei anos em conflito porque as pessoas diziam pra mim "mas você não pode se afastar do seu pai, ele é seu pai", "você não pode parar de falar com ele, tem que dizer que o ama", eu comecei a refletir, o que era o amor entre pais e filhos, e como ele reagia dentro de mim, conversei com varias pessoas, amigos, pessoas aleatórias, e notei que eu não amava o meu pai, talvez eu o amei quando eu era inocente suficiente pra não entender logo de cara o que ele dizia em suas ofensas.
E quando eu despertei, "matei meu pai no meu inconsciente".  
Em nossa ultima briga ha uns 5 anos atras, eu decidi que ele havia interpretado um papel em minha vida, e eu não tinha mais obrigação de continuar abaixando a cabeça pra ele, visto que eu já estava me tornando uma pessoa independente. Foi ai que decidi não escutar mais às pessoas.
Essa semana apos o falecimento, amigos próximos vieram me falar q "perdi a oportunidade de dizer eu te amo" em vida, mas como falar algo q eu não sentia??!.

As pessoas não entendem isso.. E o simples fato de eu não ter chorado, na verdade ter sentido ate um certo alivio somente porque ele agora nos garantiu uma “carta de alforria" pra liberdade minha e da minha mãe, em que passamos tantos anos em "um regime de carcere emocional" (vivendo com um termo atualmente reconhecido como 'Narcisismo'), por esse fator as pessoas creem veementemente que eu estou “mascarando” esse “luto”. Mas na realidade que eu sinto é totalmente oposta, não estou mascarando nada, de fato me libertei, simplesmente.
Só quem teve a “oportunidade” de conviver com um Narcisista e diagnosticado como "Psicopata" grau leve (sim porque existe uma tabela de níveis de psicopatia), neste caso ele não torturava fisicamente, mas sim psicologicamente. De fato ele nos tornou escravas emocionalmente, jogando com a culpa e o medo.
Quis publicar isso porque podem ter pessoas assim como nós que passam ou passaram por situações semelhantes, e continuam a se martirizar por algum sentimento de culpa ou medo que ainda existe pelo simples detalhe de ter o fator sanguíneo interligado com o “agressor(a). O que bem me lembro é: o que julga é a nossa consciência, e não um demônio que estará la no portão no dia de nossa morte; é necessário nos libertarmos do que nos põe medo, nos afronta. Bater o pé na porta, desamassar as penas, bater asas e voar.
O sofrimento ele nos faz evoluir, mas nao precisamos evoluir somente através dele, existem outras formas mais suaves, buscando equilíbrio e dando um passo de cada vez, sempre.

22/05/2019 - Juliana Coutrim.